Oitavo dia - o cu da velha

dia-a-dia: chegaram as vigotas

Mais um dia sem estória. A noite mal dormida obrigou-me a duas sonecas pelo caminho. A obra não avançou por falta de material (vigotas e tijoleira) e excesso de chuva. Aproveitei a aberta para expressar junto do empreiteiro a minha preocupação com a delimitação entre a laje de baixo e a de cima. Acho que ficou compreendido.

Enquanto não ganhava coragem para o 'até logo' definitivo o Amílcar lá ia soltando a língua. Insistia com a Alcina que a parede do palheiro nunca levou barro. A Alcina escavocava mais um bocado da parede com a bengala. O Amílcar mantinha-se intransigente. Parecia que a discussão durava há anos. Mostrou-me um ferro, uma porcaria, que depois chegaram os de aço e aí é que era. O ferro, que deixou de ser de ferro para passar a ser de aço. E falou-me das pedras como as das piscinas é que é. Então aquilo não leva cimento?, pergunta a Alcina, sempre duvidosa das capacidades da junta seca. As da piscina, cum carai, remata o Amílcar. Aquilo é que é xisto bom. Com face, não é como isto (aponta para a parede, de pedras irregulares). Esta pedra é de cu de velha.

Sétimo dia - o Poio

dia-a-dia: ora aí está a cofragenzinha

Fiz a viagem pelo Douro, ordem do senhor GPS (Tomtom One N14644). Em boa hora. Santa Marta de Penaguião, Pesqueira, tudo sítios mal conhecidos. A meio soltei-me da camisola e - outra descoberta!-, sinto de novo os braços Ainda ontem preocupava-me por não ter casacos para vestir.

A troca de telemóvel fez-me perder os contactos do pobo do Côa. Tive de os procurar nas fragas. Encontrei o Jorge. Chega-me.

(estou imerso em andorinhas)

Comi espargos silvestres com ovos mexidos, cortesia do Jorge. A seguir ao almoço fui à pedreira do Poio ver pedras e discutir modos de executar. Ao fim da tarde vi a obra e falei com o empreiteiro. E, por fim, comemorei o dia da floresta arrancando, cortando e descascando acácias junto à antiga casa do cantoneiro. Finalmente, um dia em cheio.

mimosas na curva da casa do cantoneiro, a caminho de levarem caminho

Quinto e sexto dias - correria

Um dia inteiro de chuva. Chuva e nevoeiro no Marão, na volta. Um stress indescritível, tudo culpa minha, o empreiteiro nunca viu o projeto de execução, lá ia fazendo à maneira dele, como sempre fez, como achava bem. E a chuva que não parava, e o bloco para segurar a parede e eu que não percebo bem o que fazer com este peso no peito.

Antes de deixar-me levar por um ombro amigo falei com dois engenheiros, o de Vila Real e o do Porto. Nada decidido. No dia seguinte parti do Porto para Póvoa de Lanhoso, e daí de volta a Martim Tirado. O André, o engenheiro do Porto, conseguiu ver sentido no que o empreiteiro tinha feito. Falou-se de duplas vigotas para suportar a terra do chão e de cabos unidos por gatos calados por betão. Dois dias horríveis chegaram ao fim. Venham outros.

Quarto dia - podas

dia-a-dia: chuva, tudo em casa a dormir

Ontem a sogra do Joaquim veio ver como estava a casa e encontrou-me a meio do pequeno-almoço. Sapiente das coisas da vida, achou uma tristeza o facto de (ainda) não ser casado. Então, arranja uma moça guapa, jeitosa, fiel e rica. Nem a minha observação de que eram quatro características muito exigentes a demoveu, se arranjar moça com duas características dessas já é bom, nada disso, guapa, jeitosa, fiel e rica. Chiça. Agora percebo por que tantos portugueses acabam solteiros.

Hoje veio dizer-me que lá em Martim Tirado é que estava mal fazer a obra, havia de ser cá na Macieirinha. Aquilo lá está tudo a morrer.

Terceiro dia - o cimento

dia-a-dia: com a chegada do cimento, todos rejubilam

o Carlos descarregando a palete, contendo a excitação

confirma-se: a chegada do cimento deixou todos em êxtase

isto é um macho, mistura de um equídeo com um asinino

para decorar o fim da publicação, a flor da amendoeira

Segundo dia - caboucos

dia-a-dia: fugiu a casa

Passei mal a noite. Cheguei tarde à obra, um tanto depois das dez. Dois homens (Paulo e Carlos, vim a saber depois) limpavam os caboucos. Um com a enxada, mais ativo, o outro com a pá, só intervindo quando surgia uma pedra maior. Um deles (Paulo) lá se ia queixando que aquilo com a máquina é que era. Assim demoramos o dobro do tempo, tá-me a perceber? Ao fim do dia já me dizia que despacharam, só eles, o serviço. Falava-me garboso, que o patrão queria só metade mas eles fizeram tudo. Tirando um canto, refém da água da chuva acumulada.

Antes do almoço encontrei-me com o empreiteiro e com o carpinteiro, o Bruno. Dois mundos opostos. Um, ininteligível, fechado. Conduz um Audi. Mora numa casa virada para as arribas, onde planeia construir uma piscina. O outro é novo, simpático, acessível. De trato fácil. Gosto dele. Só não usamos madeira de castanheiro cortada por ele porque a seca é de pelo menos um ano. Dois verões, dois verões com um inverno. Até se arranja, isso logo se vê.

A tarde passei-a a tirar peças de roupa com o calor e a tentar achar jeito num monte de entulho. Passadas as quatro da tarde consegui soltar um olmo cortado e achar a moldura da porta da casa. Peças gigantes. Uma parece a soleira, pelo desgaste. Outra uma ombreira. Notei pela face trabalhada e pelos líquenes.

Achei pedras lindas. Tentei pôr os seixos de quartzo separados dos outros, enquanto imaginava uma casa feita só de quartzo. Um pedaço de xisto escuro pareceu-me madeira. Um tronco de xisto. Noutra os líquenes eram laranjas. Achei também uma das pedras que encimavam a lareira. Estava queimada num dos cantos.

Ao fim da tarde, com os homens já longe, lembrei-me da roseira a podar a pedido do meu pai. Como a tesoura e a serra do Luís podei uma vide e duas figueiras. Só parei quando o Luís me avisou que o tempo já tinha passado. A roseira já tinha folha, já não era o tempo também.

o Luís chegou com as giestas

O Zé Manel e a Fernanda (a minha futura cozinheira) convidaram-me para jantar. Gosto muito deles. Quando os achei estava o Zé Manel a ordenhar as cabras, e antes de sair fotografei a Fernanda a fazer o queijo. Não fossem os cabritos a mamar e dava para fazer três queijos.

fabrico de queijo 1: espremer

fabrico de queijo 2: encher

fabrico de queijo 3: comer

Liguei o aquecedor a gás para não morrer de frio na cama. A ver se durmo melhor.