Décimo segundo dia - cerejal de uma cerejeira só

dia-a-dia: começa a haver casa

Hoje foi dia de almoço em Mazouco, de promessas de visitas a vinhas, de sacos e caixas cheios de laranjas e de uma garrafa de bagaço. Feito obviamente com bagaço, mas com algum vinho também, quando há. Bagaço de vinho com benefício. Eh lá.

Antes do almoço, mais uma vez a Clementina, voz sã em terra de anafados vocálicos, mostrou-me o 'cerejal' escondido atrás da casa velha, a da capela (capela, por Martim Tirado, é um forno). O 'cerejal' era uma cerejeira apenas, brava, a precisar de enxertia, nascida longe o suficiente da parede para não o desmanchar quando crescer e perto o suficiente para não ter sido levada por algum trator. Tratamos de limpar as redondezas e tapar tudo à volta com uma camada generosa de terra, não vá a cerejeira ser mal agradecida e, prontos, morrer.

Depois do Poio (ainda as pedras por cortar, vi apenas uma ombreira, de um total de 27 peças), voltei pela Pesqueira. Deixo a foto falar por si.

a vinha na Pesqueira

A Amélia, no Mazouco, mostrou-me uma árvore (cerejeira) constantemente ratada por todo o bicho do ar. Pendurou-lhe plásticos e todo o tipo de coisas reluzentes. E uma cobra. Como tudo o resto não funcionava comprou uma cobra de borracha e pendurou-a (os pássaros continuam a dar-lhe - e a Amélia continua a achar que a cobra foi uma boa ideia). Oh, um pássaro olha para ali e vê que a cobra está morta. Assim, esticada. Não, não, não acha. Ai não?

Hugo, Paulo e Sô António

Décimo primeiro dia - de trator

dia-a-dia: eu sei que fotografei uma casa

Porto. Vila Real. Nada como o Porto de manhã para dar valor a uma qualquer terra pequena. A seguir Romeu, por curiosidade de conhecer o Maria Rita, restaurante de 'cozinha regional'. A verdade é que a terra é adorável, castiça, verde, com lojinha a vender não sei ainda o quê mas com uma misteriosa loira a guardar-lhe a porta, e também é verdade que a entrada no Maria Rita é castiça, com a sua guarda a imitar um rústico que nunca existiu, e também a placa, recorte chinês, mas mal entrei percebi que ia ao engano. Mais do que uma sala, com requinte, cada talher a ocupar o seu espaço em mesas esmeradas. Aproveitei que não estava gente para espreitar o menu, verificar que não era para mim e fazer o meu almoço de trabalho no Poças, em Bragança, que já conhecia de outras encarnações.

Seguindo para sul, deixei que o GPS guiasse as minhas guinadas, por estradas de montanha até Vimioso, e daí para Mogadouro. Em Vale de Porco parei para visitar o lugar de um antigo projeto meu, um discreto parque de merendas sob uma curva de choupos na bordadura de um lameiro, abençoado por uma ermida de corte fino. O meu angelical projeto foi substituído por uma combinação banco/mesa que os próprios Flintstones não desdenhariam (que teve o condão de limpar as pedras soltas pela paisagem) e uma espécie de pavilhão industrial 'rústico' para churrascos igualmente industriais. A chuva e o vento correram comigo, e assim não tive de dar explicações à memória.

Ao fim da tarde visitei a obra, já com um início de alvenaria feito. Não está mal. O pedreiro é bom. Amanhã afina-se. Diziam-me que o Zé Manel ia ver as colmeias e lá está ele com a botija de gás no trator, nos seus recados. Afiambro-me a uma boleia e lá vamos os dois, o Zé Manel a falar-me do perigo da condução descuidada dos tratores e eu enganchadíssimo por cima da roda (nem falei dos freixos que vi ao longo dia. aqui nas Quintas não, só os sobreiros em flor). Mostrou-me a horta, sobre o ribeiro, as oliveiras a meia-encosta e as colmeias quase no topo. Mas escondidas do vento norte, que elas não gostam. Não gostam mais saem de manhã na direção do norte, observa um Zé Manel deliciado com a coisa. Gosta mesmo muito delas. E quando elas desaparecerem é que vai ser o diabo para o resto da natureza. À volta das colmeias plantou alecrim, elas comem normalmente mais é a arçã, mas o alecrim deita uma flor muito cedo e elas gostam da flor. Dá um mel clarinho, bom, não é como o do do eucalipto, escuro. Mesmo no topo plantou centeio. Falei-lhe do problema das aves da rapina que já não têm coelhos para caçar porque já não há cereal. Ele agacha-se e mostra-me as caganitas de coelho. Estão salvas as águias.

o Zé Manel diz: isto é centeio, isto é uma oliveira

Para rematar um dia bonito trouxe cacos, presumivelmente de ânforas e telhas romanas. Ao jantar falámos da história das Quintas. Quando puder publico aqui o estudo co-feito pelo Nélson Rebanda.

Décimo dia - corta aí, irmão

dia-a-dia: tijolo térmico

Já há estevas a florir. E a carqueja. Já é tanto o bicho a florir que já nem vale a pena contar. Voltei a lembrar-me do que é um freixo, árvore querida por todas as razões.

Grande rebuliço na aldeia. A Clementina interrompeu-me algumas vezes para eu trazer a água de volta. Ó Nuno, não há água. É perciso telefonar para a Câmara. E ela já tinha telefonado mas eu tinha de telefonar porque assim eles vinham logo. E eu que queria mostrar aos pedreiros como os vãos das portas estavam no sítio errado e que, sim, há janelas, há que cortar o tijolo, caro amigo.

Depois do almoço experimentei a nova técnica de extermínio de mimosas. Basta depenar-lhes a base como quem descasca uma banana.

e aí está como se descasca uma mimosa

Ao fim da tarde comecei a heróica poda da roseira. Ai dela. Na sofreguidão de lhe dar a sua conta pisei e repisei os óculos de sol, sem o notar. Fiquei a olhar para os destroços dos óculos a pensar, que alívio, ao menos a tesoura está inteira. Como mudei.

Nono dia - ver as vistas

dia-a-dia: uma laje?!?

Giestas floridas. Muitas giestas floridas, brancas. Pareciam verdes ao de longe. Por vezes ganha a esteva, ainda por florir. Uma ou outra florida. Tás a ouvir, Nuno, isto é a flor da esteva. Já viste, quando está para abrir parece vermelha. Quanto às lavandula, o Júlio esclareceu-me, é rosmaninho. Alfazema há nuns canteiros em Vila Flor, como o nome indica.

As árvores floridas por trás da casa do avô velhinho são afinal gingeiras. Flores brancas, parecidas com as da cerejeira. Aqui e por todo o lado, abelhas e borboletas e todo o tipo de bicho em êxtase primaveril. Até eu.

flores que nem ginjas

A paisagem vale a viagem, agora e em qualquer altura do ano. As penedias surgem ao longe como uma portel, a barrar o caminho entre as hortas que permeiam o vale. Formam as hortas que me trouxeram cá, e valem o esforço. Agora há água canalizada junto às casas, mas antes só na base do vale é que havia. Daqui a nada nem há velhos para as tratar. Dois ainda lá vão, nos seus burricos. Têm a horta junto à fonte da Saúde. Às vezes trazemos garrafas. Não gostamos da água da rede, sabe. Põe-lhe o cloro. A Fernanda disse-me o mesmo. Não, a Alcina, quando me mostrava as meias para o inverno. Isto são só uns remendicos, desculpa-se ela, à procura das 'outras' meias, feitas com quatro agulhas. Iguais às das lojas. Prefiro as antigas, remendos de remendos, uma espécie de meia de noite, a juntar a várias camadas de roupa.

as hortas
o monte

a Alcina, designer de meias