Vigésimo sétimo dia - o Poio, de novo

dia-a-dia: janelas!

A manhã de trabalho decorreu sem grandes precalços, apesar dos constantes desabafos dos homens (a pedra é torta, isto assim não dá, tem de se pôr a prumo, vira, tira, põe). Trazer as paletes com as pedras da eira para o pátio, desmontar a palete, montar a soleira, as ombreiras e a toiça, uma de cada vez, para cada porta. Antes de pousarmos as toiças, ainda só com duas ombreiras postas, percebemos que, apesar da imperfeição das pedras, as ombreiras estavam agrupadas duas a duas (duas mais finas e duas mais grossas). Tratámos de as agrupar, e de seguida fechámos a porta, poisando as toiças sobre as ombreiras.

a primeira soleira

aqui não há preguiça

Paulo, o senhor precisão

Quanto à moldura de pedra da porta original, hoje foi o dia de desistir de a aplicar e de encomendar pedras novas no Poio. Foram meses a enganar-me a mim próprio. As pedras antigas são pesadas e imperfeitas, e a única maneira de as manter era não lhes ter mexido. Mesmo a pedra-soleira, que ainda parecia utilizável, perdeu todo o encanto quando o senhor António começou à marretada para lhe reduzir a altura. Sem me perguntar começou pela parte boa, a razão pela qual eu queria pô-la de novo na parede. Mandei-o parar estava ele vermelho do cansaço. E já não é moço novo. Deixe, deixe, senhor António. Mando fazer pedras novas. E lá fui de novo a Fôz Coa encomendar portas novas, desta vez já com acertos nas medidas.

Notas de trabalho:
-as pedras do Poio saem da pedreira relativamente imperfeitas (as medidas da parte lascada não são de fiar);
-por causa da imperfeição, uma das portas (a de baixo) ficou mais saída, e o encaixe entre as ombreiras e as toiças ficou imperfeito, tendo de ser corrigido;
-esqueci-me de calcular a folga (+- 1cm);
-a opção de duas soleiras, sendo uma delas (a de fora) inclinada para evitar a permanência da água da chuva, parece funcionar.

Vigésimo sexto dia - beldroegas

dia-a-dia: mais um segundo e já se viam as janelas

Quando liguei a televisão, pouco passava das seis da manhã, falava-se do incêndio da Nogueirinha. O maior incêndio do ano, diziam primeiro. O maior do distrito de Bragança, comentavam depois. A senhora a quem comprámos a Residência Baldo é da Nogueirinha. A Clementina a mostrar a mim e ao empreiteiro onde era o terreno onde o meu avô tinha as colmeias e eu a pensar que tanto terreno a monte era o paraíso do pirómano. Na Nogueirinha até amendoeiras arderam. E eucaliptos. Eucaliptos! Quem se lembrará de plantar eucaliptos em Trás-os-Montes.

Dia de máquina na obra, dia de azáfama para preparar o que já devia estar preparado e de montar tudo para que a retroescavadora pudesse elevar as pedras sem nome para suavemente as pousar, já como toiça, ombreira ou soleira. Ainda não está resolvida a questão da ‘porta original’. Os pedreiros voltaram a dizer-me que era impossível, lá andamos com a retro a revolver o entulho, a tentar perceber onde estavam as pedras em falta. Só ao fim do dia se achou a toiça, resgatada ao monte de entulho que se acumulava no terreno das colmeias. Ao despejá-la da camioneta, o empreiteiro deu-lhe o fim que décadas de uso não lhe deram – rachou. Ainda assim, como se soltou apenas uma lasca (se bem que considerável e estimável - tinha ainda os buracos originais da porta), os homens dizem que dá para colocá-la lá na mesma. Já não tem caráter estrutural, serve assim.

uma no Paulo, outra na pedra

a domesticação da pedra

fila de espera para a consulta

olhímetro?

quem vir de dentro até pensa que é uma janela

temos janela, temos músculo, temos precisão

A Alcina, depois do chef Ró, foi a segunda pessoa a supreender-me à mesa esta semana. Sopa de beldroegas! Ómega 3 power!!! Foi também com ela que aprendi a melhor frase da semana, evolução de outra que conheço bem: muito e bem não há quem - pouco e mal qualquer animal*. Apanhei outra da Clementina, em improviso: prédio sem rodeira não é prédio nem é nada.

as sábias mãos da Clementina e da Alcina

sopa de beldroegas

Antes de ir embora podei as pontas das parreiras, tentando evitar ramos com cachos. A parra que sobrou foi para as cabrinhas da Fernanda. Quando andámos com o tio Adelino apercebi-me do fascínio das cabras para com a vinha, para a qual olhavam e cercavam até que o pastor lhes atirasse mais uma pedra, e desistissem.

*A boca era para os artistas, a quem todos elogiam a beleza das paredes mas que são leeeentos.

Vigésimo quinto dia - o outão

dia-a-dia: temos outão

Acordar às seis acabou por ser a melhor ideia do dia. Cheguei à obra às sete e vinte, com banho por tomar (acabou o gás) e com os homens já lá.

Durante o dia decidiu-se a inclinação do telhado, a altura dos parapeitos e ainda ajudei os homens a colocar as pedras sobre a parede. Originalmente estas pedras tinham a função de proteger a madeira da cobertura de chamas rebeldes que pudessem nascer da lareira. Decidi mantê-las como testemunho histórico, já que a sala da tia Baldo foi transformada em quarto e já não restava nenhuma razão prática para as recolocar lá.

é o que há

Ainda deu para experimentar a minha nova serra de arco (o nome talvez não seja este) e o podão em segunda mão, comprado numa feira de velharias em Vila Verde. Ainda tenho de o afiar.

O dia ainda serviu para burocracias com a obra e para tratar da Fidalga. Está com uma tosse chata e a perder pelo, com feridas cutâneas pelo corpo. Voltei cansado mas contente.

Vigésimo quarto dia - podão

dia-a-dia: não há novidades na frente sudeste

Cheguei e encontrei o tio Virgílio, que se não é homem-macaco é pelo menos homem-esquilo (que também existem nas Quintas - os esquilos, isto é), a meio caminho entre a base e o topo dum olmo. Parecia agarrado à árvore em desespero, para não cair, mas era a posição de muitos anos a trepar a choupos e a olmos, elucidou-me ele. Mantinha-se agarrado e cortava, tudo ao mesmo tempo, como se de atos semelhantes se tratassem. Encheu dois sacos com a folha (para dar à cabra), que colocou nos alforges do macho. Ainda me pediu a lenha que sobrou. Vê-se que viveu a época que viveu, e não a nossa, de luxo descartável.

tio Virgílio, a caminho do chão

as folhas do olmo, prontas a comer

isto é um podão

o transporte para as folhas do olmo

Foi dia de churrascada, apreciada e muito elogiada sob os ramos dos olmos. O Paulo cozinhou barrigas e eu, o Sô Paulo e o Hugo comemos. Na preparação do pitéu, à procura de pinhas num barraco, encontrei o que poderá ser a descoberta mais valiosa (em termos monetários) do projeto: uma camisa da Mocidade, ainda fina e com o verde viçoso, que o meu pai diz ter pertencido ao seu irmão mais novo. A etiqueta dizia 'Luanda'.

almoço sob os olmos (e sobre a erva)

(nota: este não é um blogue fascista)