Trigésimo primeiro dia - mais figos

dia-a-dia: a parede está quase

Hoje dormi um pouco mais. Assim, cheguei à obra já o calor tinha assentado praça. Decidi que hoje apenas apanhava figos, e assim fiz. Depois da apanha da amêndoa e agora dos figos, decidi definitivamente que não tenho vocação para ter árvores monumentais. Se a árvore é de fruto, a sua dimensão deve ser apropriada à apanha. Tentar podar as árvores de maneira a ter a melhor fruta possível e garantindo uma apanha fácil.

Claro que quando olho para as gingeiras do vizinho (que até podem ser minhas) e para os castanheiros, a ideia de copas fechadas e redondas também me reluz. E gosto de deixar parte da fruta para os melros. Tenho de pensar bem nisto.

À hora do almoço procurei o Zé Manel em casa. Perguntara-lhe sobre um queijo e com o barulho da máquina não percebi a resposta. Ao longe apareceu a tia Rosa (a minha tia-avó) a gesticular. Dentro da sua cozinha estava o Zé Manel, um senhor de Lordelo e o marido da tia Rosa, de cujo nome não me recordo. Almocei com eles. No fim fiquei encarregado de entregar uma caixa de pêssegos à minha mãe. Levei comigo figos e uvas, meus, e os pêssegos da tia Rosa.

Trigésimo dia - amêndoa

dia-a-dia: mais um nível


Ontem fiz parte da viagem inebriado com um estranho cheiro a mel. Ou a mel ou a favos ou a uma flor que dá aroma ao mel. Também a lua me acompanhou, se não lua cheia pouco faltou, de início a pairar resvés sobre os montes, ao virar a sul, depois de Mirandela, já solta de tudo o que de terreno lhe podia sobrar, sorria-me do meio do céu, em esplendor total. É muito linda a lua em Trás-os-Montes.

Fiz um dos primeiros troços do IP4 convertido em A4 já aberto ao público. Continuo a ser contra esta autoestrada em sítio onde pouca gente viaja (e ainda mais quando penso no engodo financeiro utilizado para a construir), mas o facto de se construir uma via de tão grande capacidade numa região onde, segundo dizem os seus detratores, já não há população que justifique caminho-de-ferro, não deixa de ser paradoxal.

Voltei à obra depois de uma semana sem obra. Insisti que se as pedras das portas não vinham se devia avançar para outras partes, e já que se falou na forra da viga-lintel ela devia avançar. Os homens já ontem tinham lá estado e apenas forravam a viga-lintel com dez centímetros de pedra. Chegou o desmancha-prazeres que lá lhes disse que tinham de ser vinte os centímetros, de modo a tudo bater certo. Pela primeira vez pediram-me provas do que eu dizia. Um desenho. Disse-lhes que tinha desenhado tudo no computador. Ao ver que isto não era suficiente prometi-lhes um desenho feito à pata, despachado no carro em cinco minutos. O senhor António acalmou com a evidência da geometria mas o Paulo manteve a incerteza, sempre dizendo que faziam o que eu queria mas eu tinha de ter a certeza. Confrontei-o com mais umas verdades sobre a obra, o processo e as minhas decisões e lá se acalmaram todos. E tudo seguiu como planeado.

De pedido em pedido lá me vi sob as amendoeiras com um fardo (rede), uma vara de freixo e uma enorme vontade de apanhar amêndoas. O Hugo perguntou-me se eu ia varejar e logo a seguir surgiu para me ajudar. Como ele era entendido na arte deixei-o opinar, e a meio da tarde (antes de os homens irem embora) já tinha dominado a arte da apanha da amêndoa. Com uns cordéis atávamos o fardo às árvores circundantes (onde as havia - aqui percebi uma das vantagens de ter o compasso entre as árvores sem intervalos) ou às pedras dos muros e conseguíamos que as amêndoas não deslizassem monte abaixo. Depois era enfiá-las nas caixas que a Clementina nos emprestava e levar as caixas de volta à procedência.

o fardo do Amílcar e a minha amendoeira

a vara do Amílcar e a pobre da amendoeira

amêndoas por descascar

amêndoas prestes a descascar

Como não me imagino a mim nem a ninguém que conheça com paciência para partir a casca da amêndoa, doei a minha amêndoa à Clementina (um erro, foi o Amílcar que me emprestou o fardo e a vara). Ainda mal percebendo o que se fazia com as amêndoas, encontrei o Zé Manel ao início da manhã a manejar uma máquina elétrica que separava toda a folha das amêndoas e arrancava grande parte da sua pele. Convencido que a máquina era única na aldeia, ainda pensei em levar ao Zé Manel as minhas amêndoas, até que percebi que o Luís também tinha a sua máquina, e o trabalho consistia apenas em separar as 'secas' de entre as amêndoas que já tinham ido à máquina. Na casa do lado o Amílcar ocupava-se a descascar a pele exterior das amêndoas ele mesmo, apesar do vizinho ter uma máquina que lhe pouparia imenso trabalho. Coisas de aldeia, que ainda não percebo bem.

A estrutura que aparece na foto de baixo é uma passeira, que (neste caso) serve para passar figos. O processo ainda implica escaldamentos e açúcar em pó. Quando puder publico aqui a receita.

uma passeira em ação

Tentei dar banho à Fidalga. Conselho do médico, antisséptico na proporção de 1/10 na água, etc. A minha dúvida era se conseguiria prender uma cadela que tem pouco ou nada de domesticada e que tem óbvios traumas do passado. Prendi um cordel em volta dupla a uma pedra, ao qual prendi a trela que o Paulo me dera, à qual prendi a coleira da Fidalga. Tudo isto com algum planeamento anterior, trazendo a mangueira para perto, o medicamento, atraindo a cadela. No momento em que ela se percebeu presa entrou em pânico (já esperado), ganiu e ganiu e esperneou como se a estivessem a matar. Já eu avançava com o canivete para cortar o cordel quando ela quebrou o que a prendia com a força do seu desespero e fugiu para longe. Ainda atónito, tentei segui-la pelo pinhal, na esperança de recuperar a trela. Avancei um pouco mais do que o costume. Pelo caminho uma cobra, a maior que já vi, fugiu de mim para dentro de um tronco velho, muito mais assustada do que eu.