Trigésimo oitavo dia - míscaros

dia-a-dia: uma forma de telhado

Há muito nevoeiro é em Jales, dizia-me o meu pai ontem. E havia. Em Jales, no Pópulo, no IP4, em Vila Flor, na Macieirinha.

E em Martim Tirado, nos primeiros raiares do dia. As Quintas com nevoeiro. Como os homens não vinham comecei a cirandar, para justificar a espera. Substituir umas telhas em falta em cima de um muro, tirar medidas, contar umas lajetas que vieram do Poio, limpar amendoeiras. As hastes lá chegaram, na camioneta do empreiteiro. Até às onze era tempo de abrir os buracos na viga-lintel. Ajudei-os no que pude.

Certinho.

O homem dos materiais de construção chegou, imagino, à hora certa, com os telhões e a onduline em falta. Ao descarregarmos a camioneta entreolhamo-nos, eu e o empreiteiro. É só isto do onduline. O dos materiais ria-se e dizia que sim. Nós insistíamos. Dez placas, dois metros quadrados cada uma, dá vinte metros quadrados. Isso nem um quarto cobre! O empreiteiro confirmou: encomendei-te cento e vinte metros quadrados, caralho. Alguém não sabe fazer contas.

Como uma sinfonia.

Como o trabalho se resolveu rápido (deixei para trás os homens a chumbarem as hastes), rumei a Freixo. Queria falar com o carpinteiro antes do almoço. Depois de despachadas as burocracias (e a discussão dos pormenores das portas), atualizei-o: as hastes estão na obra, já podes entrar para começar a cobertura. Respondeu-me que os homens ainda tinham de gozar doze dias de férias até ao fim do ano, que tinha de despachar pelo menos uma encomenda que estava a meio, que ia ver o que dava para fazer até ao Natal mas que era difícil. Fiquei um pouco descoroçoado com isto. Queria que as madeiras da cobertura avençassem já para a semana.

Almocei e voltei às Quintas. Os homens lá andavam, laboriosos. Antes de sair pedi-lhes para acertar as hastes e disseram-me que o tinham feito, com o arranca-pregos. Pouco ou nada podia fazer enquanto eles chumbavam as hastes e rematavam uma viga-lintel que tinha ficado por acabar. A Clementina então falou-me das sanchas. Que tinha saído para as apanhar (para mim) e não as tinha encontrado (não há chuva), e que os velhos tinham saído para as apanhar (para mim). Não é tarde nem é cedo. Pedi-lhe um cesto de vime (expliquei-lhe a teoria dos esporos, que os cogumelos têm de ser transportados num cesto para que se reproduzam, teoria da qual fez pouco caso, os cogumelhos nascem do chão e pronto) e segui pelo pinhal, a ver se os via (aos velhos). Segui pelo que sabia ser o pior caminho (pinheiros de metro a metro) porque a direção era a certa. Pelo chão ia encontrando outros bichos cogumelos que não eram sanchas. Ia cortando uma ou outra para confirmar. Havia muitas, só de uma espécie. Cheguei perto dos velhos e eles muito desiludidos, este ano não há sanchas, não choveu, só apanhámos estas (que eram bastantes). E estas? Ah, isso são míscaros. E são bons? Bô, são como as sanchas.


Escondido, o gajo. 
Desmicarando o míscaro.

Ai sim? Nem uma nem duas. Voltei para as casas pelo mesmo labirinto que me tinha trazido ali, (pelo meio de pinheiros, zimbros, azevinhos e pilriteiros) apanhando todos os míscaros que me pareciam novos e bons. Só têm um truque - retirar a capa onde se colam os musgos, pelos vistos amarga, e estão prontos a cozinhar. Claro que aos olhos das mulheres os míscaros não eram como as sanchas - faltava-lhes aquele sabor intenso, faltava-lhes graça. Como já no ano passado comi sanchas, sabia bem do que falavam. Ainda lhes mostrei outros dois cogumelos que tinha apanhado, ao que me disseram, esse é tóxico, esse é um róco, também se come. Acabei a tarde a limpar o musgo dos míscaros. Hoje como cogumelos apanhados por mim.

Míscaros aos mil.

descobri entretanto que as sementes que religiosamente colhi durante dois anos seguidos não são de teixo mas sim da Robínia (pseudoacacia, a falsa). queimei as sementes mal descobri.


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