Quinquagésimo primeiro dia - casqueiros


dia-a-dia: vista da rua

Ontem cheguei tão cansado da viagem que mal me sustinha em pé. Talvez um início de gripe. Tentei aquecer o corpo ao máximo antes de dormir, e para esse efeito encostei o aquecedor à cama, rezando para que esta não pegasse fogo. Foi a noite mais fria até agora.

O corpo já não me doía hoje de manhã, mas sentia-me tão frágil (sempre que tossia doía-me a cabeça, como que oca, com peças a menos) que preferi esquivar-me a trabalho braçal. Por ora. 

Fui ver da caleira, que está por fazer. Passei no carpinteiro. O senhor Carapuça, já velhinho, lá ia escavocando os casqueiros de pinheiro. O Bruno mostrou-me o resultado final. Esta ideia é tão peregrina e irreal que nem criei uma imagem do que queria. Pedi-lhe, no entanto, que não usasse os casqueiros serrados. De modo a evitar saliências, o pai do Bruno tinha serrado a face saliente, o que artificializava totalmente o casqueiro, retirando-lhe autenticidade.

os casqueiros

Antes de abalar para as Quintas comprei comida para a cachorra. Um medo vindo de sei lá donde punha-me a imaginá-la fraquinha, moribunda. Sempre era a mais doentiça dos quatro. Procurei-a no barraco, à espera de achar um cadáver, mas nada. Nem mãe nem filha. Diz-me a Clementina, fui eu que a dei, fui eu que a dei. Passou aí um homem que vende ração e que diz que precisava duma cachorra. Mais à frente, lá confessou que já se tinha afeiçoado ao bicho, que a soltava na eira e que a chamava, pequenina, e ela lá vinha, com as suas patinhas.

No larguinho, ao sol, os velhos debatiam a dívida e a troica. O telhado está quase acabado. Vejo pegas-azuis o dia todo. As amendoeiras estão muito atrasadas por não haver chuva. Da janela do comboio vejo uns começos de flores. É a primavera que vem aí.

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