Quinquaségimo oitavo e quinquaségimo nono dias - motosserra


dia-a-dia: escurinha

Desenvolvi o síndrome de Estocolmo em relação ao frio. Por mais que me convença que tenho calor, que se calhar não é preciso ligar o aquecedor na hora de ir tomar banho ou de vestir aquela camisola extra, ainda não encarei o facto de que a primavera já chegou. E quente, ainda para mais.

Ontem segui com o Hugo no segundo comboio do dia. Mais uma vez acedeu a vir. Para além da ajuda braçal (sempre útil) e da companhia, o maior prazer será o de fazer tudo o que faria normalmente sem ter de me preocupar em levar a máquina fotográfica comigo. O Hugo tem sentido estético e uma câmara, duas coisas muito importantes num fotógrafo.

olhando um monte de pedra

Almoçámos em Moncorvo. Na obra, o senhor António e o Paulo ultimavam já o muro de baixo. Só o capeamento inicial, já da outra semana, estava como eu queria, com lajes grandes de um lado ao outro do muro. No restante eles iam pondo uma pedrita mais achatada de cada lado e davam o serviço por concluído. No último pedaço, então, deixaram mesmo o cimento à vista. As pedras pequenas ainda vá, agora cimento à vista é que não. Apelidei de preguiça a desculpa deles de não encontrarem pedras boas, disse-lhes que a solução de pôr terra por cima do muro e regar para criar barro não servia, e apontei-lhes vários exemplares de pedras a pedirem para ser lajes. Resmungaram o que quiseram, mas ao fim da tarde já lá estavam as lajes sobre o muro.

Depois da conversinha seguimos para Freixo. O dia era glorioso - ia finalmente comprar a motosserra. Uma Sthil MS 181 com lâmina de trinta e cinco centímetros e dois cavalos de potência. Comprar uma dois cavalos com o Hugo. Eh eh.

Rematámos as compras com cinco litros de óleo, cinco litros de gasolina sem chumbo 95 e cem mililitros de óleo Sthil, para misturar nos cinco litros de gasolina.

E ala para o pinhal que se faz tarde. Eu com a motosserra e a serra de podas, o Hugo com a clagouça e a machada. Nem contava usar muito a motosserra - tinha ainda muita esteva para arrancar e muito marco para marcar -, mas como me esqueci do ferro para espetar as varas no chão acabei por começar logo o trabalho de motosserra. Primeiro, para experimentar, cortando as árvores derribadas ou que cresceram inclinadas, e depois abrindo rodeiras entre os marcos, trabalho mais apropriado a uma roçadora mas que também se faz bem com a motosserra. Não é que me fascine a ideia de cortar árvores vivas mas a silvicultura é mesmo isso. Trabalhar para o conjunto da floresta. Sacrificar as árvores mais débeis para que as outras possam prosperar.

Só largámos o pinhal com a luz falha, não por causa disso mas por ter acabado a gasolina. Ainda antes de voltarmos, lembrei ao Hugo o arroz de carqueja que lhe prometi e, destemido, fui a procurá-la, já quase sem luz. A única carqueja do bosque, que tinha visto das outras vezes, e fui achá-la, logo à primeira, apenas seguindo os marcos. Vitória absoluta para o ego.

De volta às casas, ao contrário do costume, os velhos ainda andavam na rua, apesar do lusco-fusco avançado, talvez pelo tempo ameno, talvez pelo visitante, filho de um dos casais. Ofereceu-nos morujas, enquanto separava as mais amarelas. Crescem junto aos ribeiros. Comemo-las ao jantar, temperadas como salada.

morujas

Hoje seguimos para a Cigadonha, mui venerável castelo junto aos caminhos que ligavam Carviçais a Mós e a Felgar. Curioso percurso, apenas com indicações nos primeiros e últimos cem metros. Obviamente, perdemo-nos. Um senhor que rebocava uma oliveira velha (que já me tinha ajudado noutra altura) endireitou-nos a rota. Se seguirem por aquele pinhal onde andaram a cortar, sempre junto à parede, encontram o caminho para castelo. Seguimos as instruções e, obviamente, perdemo-nos de novo. Descemos ao vale através de um carvalhal e árvores altas e certas, um delírio para os sentidos, que acabava num ribeiro de pouca água. Tirei as botas e molhei os pés. O Hugo teve medo do frio. E com razão.

Acabámos por dar uma volta bem maior do que o necessário mas terminámos em Carviçais, empunhando uma meia de bagaço bem no ar. Missão cumprida.

Na obra, os homens mostraram-nos o muro da entrada acabado. Uma das duas ombreiras da portalada tinha sido derrubada pela retro para poder passar (há meses já) e ontem ajudámos os homens a levantá-la de novo. Hoje calçaram-na e fecharam o muro com pedras novas. Ficou bem convincente.

muro novo

A Fidalga continua fraca. Comprei-lhe um antibiótico. Espero que melhore.

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