Septuagésimo primeiro dia - águas mil


O dia de hoje serviu para corrigirmos erros meus de dias anteriores e para cometer erros novos, para corrigir para a semana. Eu e os 'montadores'. Descobri que a palavra 'pladuristas' afinal não existe.

Continua a chuva, agora acompanhada de frio. Dizem que neva no fim de semana. Lá se foi a visão idílica dumas festas da Senhora de Fátima ao sol, a comer cerejas. Sol até deve haver, cerejas é que nada. Abril águas mil, maio comem-se as cerejas ao borralho.

A quebra das amêndoas
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Septuagésimo dia - correções

Anteontem cheguei à hora de ir dormir com o peso nos ombros de quem sabe que tem muito que fazer; ontem trabalhei sem parar, a acabar os desenhos do pladur, e cheguei ao fim do dia cansado, mas sem o stress de anteontem. Hoje passei o dia babysitting eletricistas e pladuristas. O babysitting, especialmente o de eletricistas e pladuristas é, infelizmente uma arte em risco de extinção. Mas, dizia, acabei o dia igualmente stressado. Já devia saber que o stress vai e vem.

Este stress específico veio de ao fim da tarde, já com paredes de pé, pladur aplicado e cabos encaminhados, ter juntado a comunidade de -istas a discutir o lugar do cilindro / bomba de calor / mecanismo de aquecimento de águas sanitárias qualquer. A sério. Alguém que decida tudo isto por mim. Por favor. Pode não caber no lugar que lhe reservei. Pode ser muito caro. Pode implicar o retorno do picheleiro. E o ar condicionado, duas máquinas com condutas, um multisplit, uma única bomba de calor que aqueça as águas e climatize a casa. Mais uma vez, stressar agora não ajuda. Nunca ajuda. É só não tomar decisões erradas e esperar que se decida o melhor sistema.

Os eletricistas pediram-me na semana passada um dia com os pladuristas.  Quando cheguei os tubos eram mais que as mães, descabelados, a somarem-se em molhos. Depois de obrigar os pladuristas a desfazerem a parede de cima (faz parte), pu-los a trabalhar para os eletricistas, montando as paredes por onde passariam tubos e fechando uma das faces da parede com pladur. Chegámos ao fim do dia com muito trabalho despachado. Já se entra na casa de banho de baixo e se antevê o espaço.

Corrigindo os erros do senhor arquiteto
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O rosmaninho flore por todo o lado; idém para a giesta amarela e a esteva. Foi chovendo ao longo do dia. À Fidalga apliquei-lhe o antipulgas em ampolas. Ao almoço bebi chá de cascas de cebola. Elogiei-o à Clementina. Ajudei-os com uns tubos duma salamandra acabada de comprar. O Luís chamou a mulher de 'espalhadeira'. Espalha as coisas por todo o lado.

Casca de cebola em copo
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Sexagésimo nono dia - monte adentro

Os eletricistas chegaram pela manhã. Muita informação, algumas decisões, a constatação de que pondo tudo ao barulho é que se remata à obra. Na próxima quarta junto eletricistas e pladureiros. E o carpinteiro e o picheleiro, espero.

Desmanchei a amendoeira que secou. Prometi o tronco ao amigo Machado. O resto fica para lenha. A madeira é rija.

Acabado o almoço, fui chamando a Fidalga caminho abaixo (o Trovão é escusado chamar, ele vem sempre). O trilho pelos pinheiros que parte da casa é o único que irei sugerir a todos os visitantes da casa. Metade do trilho, pelo pinhal, é plano, e a outra metade, por amendoais, tem pouca inclinação. Os montes começam a envolver-nos, começamos a ver as quintas ao longe até que chegamos a uma quinta abandonada (ainda não sei o nome. Muitas ruínas. A Fidalga não parou de correr, de início pensei que atrás do Trovão, depois percebi que estavam a brincar. Descobri colmeias abandonadas, cortiços ainda bons, e colmeias ainda em uso. Oh se descobri. A Fidalga também.

casa abandonada
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Sexagésimo oitavo dia - arrancando estevas


Mais um dia sem história. A chuva que não chegou a cair deixou o empreiteiro em casa. De manhã aproveitei a ida a Freixo para dar boleia à tia Clementina e ao pai do Zé Manel. À vinda, enquanto a Clementina ia ao serralheiro resmungar por uns estores que em vez de alumínio eram de plástico, passei no carpinteiro para reescolher os puxadores, tarefa feita a correr na semana passada.

A Fidalga, contaram-me, ladrou a noite toda. Quando cheguei ganiu o que pode expulsando o Trovão da eira. Tratava com paninhos quentes uma pele de javali. Cheirava e lambia-a, como que com medo que desaparecesse.

o Obélix de Martim Tirado
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Almocei na casa da Clementina. Quando cheguei o marido desfazia ramos de urze - é para fazer chá, diz o médico que faz bem à próstata.

chá de urze. Para a próstata
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A tarde passei-a no pinhal, enquanto não chovia. O meu lado obsessivo-compulsivo começa a vir ao de cima e, para além de ter começado a arrancar tudo o que não sejam pinheiros ou carrascos (quase só estevas), passei a fazer montes encosta acima com o mato apanhado, à mesma distância uns dos outros, e a empilhar os toros cortados contra um pinheiro. A motosserra não se encharcou desta vez, cortou gloriosamente até se acabar a gasolina.

Sexagésimo sétimo dia - clear cut


A carrinha do empreiteiro teve um furo e roubaram-me a lona do carro, logo na primeira vez que a deixei sobre o carro. Aposto que foi o mesmo gajo.

Sem empreiteiro (e sem lona), sobrou-me o dia para o pinhal. E eu, feliz da vida. Motosserra, serra de podas, e cá vou eu. Até a motosserra encharcar (outra vez) cortei mais alguns pinheiros mal-nascidos e desmanchei essas e outras árvores já cortadas. A ideia de que o solo é pobre e que por isso os pinhos são tortinhos já era, e foi o Hugo a deslindar o mistério: durante anos os pinheiros do meu avô eram os únicos do monte, e levavam em cheio com o vento. Elás, nasceram e cresceram tortos. Os 'clear cuts', para além de todos os outros malefícios, tem mais esta desvantagem.

Cravei o almoço à Alcina. É quase pecado pôr a cozinhar para mim uma senhora que quase não se aguenta em pé, mas compensei-os substituindo parte das telhas partidas do telhado da casa velha.

A Clementina veio dizer-me que eu, em vez de fazer só dois quartos devia fazer três, usando a sala para isso. O tio Amílcar concorda.

A carqueja está florida. O contraste é forte: a planta é rija, pica; a flor é dum amarelo vivo, fofa. Ontem vi um coelho e uma raposa e hoje uma perdiz. Parece um dinossaurio em fuga, com o seu pescoço longilíneo.

Sexagésimo sexto dia - diploma


Voltei ao comboio. Não sei se graças à minha intervenção junto do sindicato dos maquinistas - mas espero que sim-, as sempiternas greves deixaram de afetar as ligações para o Pocinho. São apenas cinco por dia, a linha é terrivelmente deficitária (principalmente da Régua para cima) e as greves duram meses, com vários dias seguidos sem ligações para o Pocinho. É fazer o trabalho da troika. E apelar ao uso do carro.

O senhor Gaspar, o picheleiro, passou o dia na obra, montando a rede de água quente e fria. A fria com tubos de plástico (ppc?), a quente em tubo de inox com manga de espuma, para reduzir as perdas. Foi também altura de corrigir erros de trás. Se bem que foi precipitação dos pedreiros o cimentarem o chão das casas de banho, as minhas indicações foram todas ao lado. Os tubos para os lavatórios tinham de andar dentro das paredes, o buraco na parede para a mangueira ficou num sítio inacessível, a marcação de uma das sanitas foi dez centímetros ao lado, as passagens sob o pavimento ou não foram feitas ou ficaram tapadas pelo pladur, etc. A minha sorte é que o homem é sereno e vai nas minhas loucuras.

corrigindo os erros do arquiteto
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No vaivém de entrada e saída da casa dos meus avós parei para ver uns papéis caídos no chão à frente da casa. A verdade é que paro por quase tudo (algum gene alentejano latente) mas aqueles papeluchos pareciam-me dizer-me algo. Eram os diplomas da primária do meu avô. Primeira para a segunda, segunda para a terceira, terceira para a quarta, e com notas cada vez melhores. As folhas deviam ter-se colado a algo que trouxe de dentro, e mais uns dias ao relento e a chuva lavaria tudo.

passou, está passado
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O hábil rapaz da loja de ferramentas, como que por artes mágicas, revirou a motosserra - encharcou, só pode ser isso - e pô-la a funcionar. Face às suas sábias palavras palavras percebi qual o meu erro, se bem que a descrição 'quando ela faz um barulho diferente, que parece que vai pegar, tem de mudar isto para o dois' não me convenceu. A descrição tem sentido, não sei é vou entender o que é o tal 'barulhinho'. A ver vamos.

Sexagésimo quinto dia - porta


O milagre da hora de verão é sair de casa às seis e meia da manhã e já ser de dia. Isto na Póvoa. Aposto que em Martim Tirado é diferente. É tudo diferente em Martim Tirado.

Choviscou toda a manhã. Chegados à obra, assistimos à fuga graciosa do Hugo e do empreiteiro da chuva torrencial que se anunciava. Eles partiram. A chuva parou.

Surpresa total, o Bruno já tinha portas e janelas prontas, ainda sem verniz nem vidros e com algumas pontas por limar, como dobradiças e assim. Fiquei espantado por ver os desenhos finalmente em 3d - as portas são mais largas do que o costume e por isso parecem enormes - mas a sensação geral é de contentamento. Decidimo-nos pelo verniz 'natural mate', que não estraga a belíssima cor natural da madeira, e escolhemos fechos e dobradiças. É tudo muito rápido, mas está a correr bem.

postigo de fantasia
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À tarde, carpintariaaaa (ou era telefoniaaaa?) na obra. Réguas pelo chão, a desenharem a parte oca do pavimento, pousadas já sobre o cimento atolachado.

que a régua não fuja
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Levei o meu pai ao comboio das cinco e voltei, vidradão, para a floresta. A motosserra não chegou a pegar. Virei-me para a serra de podas e revirei tudo. Arrumei toros, limpei um pouco mais à volta de um dos marcos. Quando achei tudo um pouco melhor, larguei mata abaixo, ciente que ia achar o caminho até ao marco seguinte, como tão bem o achara no google earth. De cima para baixo, não muito bem. Acabei por dar com o marco mas não em linha reta. Tentei de novo, de baixo para cima. O caminho parecia revelar-se sob os meus pés. Até o musgo parecia diferente. Ao longe já se viam as copas da bordadura do meu pinhal. E lá cheguei, direitinho ao outro marco. Tirando o limite superior, onde os marcos foram arrancados por uma retro, já tenho todos os marcos identificados. Que orgulho.

Passei na casa do Zé Manel antes de seguir para a Macieirinha, para saber da festa de nossa senhora de Fátima. Só sabia a data - cinco e seis de maio - e pouco mais. Agora sei tudo. Dia cinco, sábado, há a procissão das velas, sorteio dos prémios (ainda há rifas!!!) e bailarico. O mestre de cerimónias é organista, vem de Vila Real e traz o palco às costas - tudo garantias de um bom espetáculo. Domingo é a procissão - este ano fraquinha, confessou-me a Fernanda. Há pouca gente.

há festa na aldeia
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